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terça-feira, 21 de agosto de 2012

"Mil partidas formaram-me desde a infância, devagar"


Tenho me despedido aos poucos. Tão sutilmente que talvez ninguém perceba. (Sutilezas são coisas que poucos ainda têm percepção.) Cada dia da minha vida tem sido o último. Cada texto tem sido uma carta de adeus, cada frase uma confissão de amor. “Mil partidas formaram-me desde a infância, devagar”, teria dito Rilke e eu não diria melhor. Tenho pensado nessas coisas que as pessoas sentem, mas não dizem. E às vezes me pergunto se realmente sentem. Não sei a resposta. Posso ter sido eu que vim com defeito e sinto essas coisas e não encontro quem também as sinta. Não é questão de compreender, é sentir. Ouvi algumas vezes me dizerem que sou único. E já escrevi também, plagiando inconscientemente não sei quem, que não quero ser único. Sempre tive a esperança de encontrar alguém, que não seja como eu porque dois de mim seriam insuportáveis, mas alguém… Não sei explicar. Pra essa pessoa não precisaria explicar, simplesmente seria entendido. E mais que entendido… Muito mais, mas também não sei explicar. Dizem que pra bom entendedor meia palavra basta. E eu digo que pra mau entendedor nem uma vida inteira basta. Não sei se faço parte dos bons ou maus entendedores.
Tenho pensado bastante na palavra “doçura”. Ouvi essa palavra algumas vezes também, ao se referirem aos meus olhos, ou a mim, ou algo relacionado a mim. Caio F. dizia que “há pessoas que são como a cana, mesmo postas da moenda, reduzidas a bagaço, só sabem dar doçura”. Sou uma dessas pessoas? Minha resposta não existe. Talvez não seja doce, mas agridoce. Doces enjoam, ácido corrói. Há abismos sem fundo dentro de mim. Há horizontes sem fim dentro dos meus olhos. E me lanço, nos abismos e aos horizontes. Não é pretensão, mas acho que poucas pessoas chegaram perto de me ver, outras apenas desconfiaram, outras talvez tenham visto e se atraído, em seguida fugido. É… Devo ser assustador. Poucas chegaram suficientemente perto. Se é que chegaram. Cada um por si, diriam. Ou, Caetaneando, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E só cada um. Que não se abre verdadeiramente para que outro descubra, o descubra. Entre realmente na sua vida, dentro de si, de seu universo. Então temos sete bilhões de pessoas únicas. E sozinhas. Cada um por si… Dizem que a única certeza da vida é a morte. Eu acrescentaria mais uma, se tivesse certeza em vez de esperança do contrário, que cada um é só e nada mudará isso. Nem a ilusão, miragem ou o que chamo de “esperança”. Passei a vida inteira tendo a esperança de que alguém se deixasse descobrir e se conhecer e se compartilhar. A mesma de que alguém também quisesse fazer isso comigo. Sempre estive aberto e disposto, às duas coisas. Em busca disso criei céus, movi terras. Algumas vezes pensei ter encontrado. E então? Miragens. Nada mais ingênuo. Nada mais utópico. Nada mais ridículo. Mas acho que uma ou duas vezes realmente encontrei. Mas acho também que as pessoas não gostam mesmo de ser descobertas. Também não querem se dar ao trabalho de descobrir.
Tenho deixado as janelas abertas. Na verdade, sempre as deixei. Queria, antes de partir, que não sei quando será, mas poderá ser a qualquer hora, a herança a quem se com isso se importe, de dizer que o amor realmente existe. Não porque o encontrei, mas porque amei. Mas seria injustiça e ingratidão dizer que não o encontrei, ou que realmente amei. Também fui amado, acredito, algumas vezes. Também deixei de amar algumas vezes. Seja como for, há algumas perdas irreparáveis no caminho. Pessoas que me fazem tanta, mas tanta falta. Tão importantes. Muitíssimo importantes. Insubstituíveis. Únicas. E como dizia Adriana Falcão, “‘único’ é tudo aquilo que pela possibilidade de virar ‘nenhum’, pede cuidado”. Talvez seja isso… Passei minha vida tentando mostrar a elas isso. Quantas vezes disse: “é preciso tratar como precioso o que é precioso”. E me eram tão preciosas. São. Mas, mesmo que tenham entendido (?) isso, se foram. Mil partidas, como disse… Quis sempre e tanto mostrar a necessidade de urgência em viver, da importância de certas coisas. Do meu jeito torto, do jeito que fui aprendendo, aos trancos e barrancos, sei lá… Mas tentei. Acho que ninguém poderá dizer que não. Mas também acho que ninguém dirá nada, porque não acredito que vêem importância no que fiz ou deixei de fazer, no que senti ou deixei de sentir, no que acreditei ou deixei de acreditar, no que senti ou deixei de sentir, no que vivi ou deixei de viver. Será que fui importante assim alguma vez também pra alguém? E, se fui, por que foram embora? Se fui precioso, por que me jogarem fora?
Tenho relembrado tantas coisas… Uma vez ouvi detalhadamente uma descrição do amor que me deixou emocionado. Não só bela beleza e pela pureza nos olhos de quem descrevia, porque os olhos mostram o que a pessoa sente, no que acredita, quem ela é… Mas também por ter pensado eu: “puxa, encontrei alguém que percebe o amor da mesma forma que eu, o que eu vi dentro dos olhos dela é mesmo verdade, como eu já acreditava”. E é verdade. Bem, provavelmente seja. E depois ela me disse, “então, pra mim amor é isso… mas não é isso que eu sinto por você”. É algo como ver o paraíso e não ser deixado entrar. (Bem… Nunca fui bom com metáforas. Literalmente então: é menos pior entender que ninguém sabe o amor como eu, do que compreender que alguém sabe o amor como eu, mas não me ama.) Ou que os momentos mais felizes de uma pessoa foram certos momentos ao meu lado… Será a felicidade algo tão aterrorizante? Ou que sou tudo que sonharam num homem. Será que as pessoas ao realizarem o sonho, o descartam? Enfim… Passei a vida implorando para que dessem importância ao que é importante e que não fugissem disso, que abraçassem isso. Não adiantou muito. Já ouvi e senti declarações apaixonadas. E acredito que eram de verdade. Mas, foram momentos. As pessoas continuam indo embora. (Continuam dizendo que querem algo e não sabem o que fazer quando conseguem? Não sei.) Sempre indo embora… E dizem: “olha, um dia você encontrará essa pessoa, ela existe”. E eu sei que existe, era justamente ela indo embora e eu já havia encontrado. Mas vão embora. Sempre vão.
Tenho essa loucura… Sim, loucura. Que outro nome? Ilusão…? Talvez seja bom nome também, mas parece-me mais algo de louco mesmo. Passei a vida acreditando em algo que não existe. Quero dizer, existe, mas só dentro de mim. Que também, diferença alguma faz. Nunca fui tão importante assim pra ninguém. Ninguém que tenha criado céus ou movido terras por mim. Não valho a pena. Ou ninguém está interessado nisso. Cada um por si. E eu deveria estar por mim. Mas não consigo. Nunca fui sozinho, nunca quis ser, não sei ser. Sempre quis ter alguém com quem compartilhar toda a vida, todo o sonho, toda a esperança e todo o aprendizado. Pra aprender, pra ensinar, pra viver, enfim… As pessoas falam, mas ninguém de verdade quer isso. A maioria sequer move uma palha. Ninguém que queira se aprofundar, se abrir, viver, enfim… Todos dizem querer ser amados, mas não suportam isso. Muitos dizem amar, mas pouco sabem o que isso significa. Ou sabem… Talvez saibam. E errado sou eu. É… Provavelmente é isso. Mas, tanto faz. Eu estar certo ou errado, que diferença faz? Gênio ou estúpido, nunca fez verdadeiramente diferença alguma. A minha presença ou ausência, tampouco. Não sentem de verdade minha presença. Não sentem, de forma alguma, minha ausência. Sempre quis inundar a vida de quem amo de alegria. Que percebessem, sentissem esse amor que sinto. Sempre acreditei que se sentissem como são amadas, não iriam embora. E devo confessar que sempre quis também de quem amo um amparo impossível. Alguém que me mostrasse que não sou ridículo. Alguém que achasse que isso é mesmo importante. Mas eu sou ridículo. E nada disso é importante. Porque nada que é importante é jogado fora. Parece tudo muito triste, mas quem já foi amado por mim sabe o quanto eu posso ser feliz. Quando se distraíram, e por pouco tempo se permitiram a esse amor. O quanto eu posso… Tudo que posso, e não faz diferença. Porque sempre vão embora. Mil partidas… E, a qualquer momento, será a minha vez de partir. Não fará diferença, eu sei. Mais um pouco e será como se eu jamais tivesse existido. Ao ir embora, não existirá mais nenhuma prova que alguma vez existi. E, na verdade, jamais existi. Quem não sentiu minha chegada, minha presença, jamais sentirá minha partida. Então, é isso: passei a vida tentando existir. Existir pra mim é amar e ser amado. Viver plenamente isso, essa beleza, essa alegria, essa entrega… Sem ninguém ir embora. Sem existir fim. Então, posso partir sem preocupação… Não farei falta a ninguém. Porque nunca cheguei mesmo a existir. (Se alguém me ouvisse, eu diria adeus. Assim como é, nem é preciso.)
Eu existo. 


(Autor Desconhecido)

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